Por que Commodities como Minério de Ferro, Soja e Petróleo Acompanham a Variação do Dólar

As commodities e matérias-primas como minério de ferro, soja e petróleo ,têm seus preços cotados internacionalmente em dólar americano. Isso significa que, no mercado global, essas mercadorias são negociadas usando o dólar como referência de valor. Consequentemente, oscilações na cotação do dólar tendem a impactar diretamente os preços dessas commodities e a economia de países exportadores, como o Brasil. Neste artigo, exploramos por que essas commodities “acompanham” a variação do dólar, abordando desde a precificação em dólar e os efeitos de um dólar mais forte ou mais fraco, até impactos na economia brasileira, nas empresas e investidores, estratégias de proteção cambial e exemplos práticos envolvendo grandes players como Vale (mineração), Petrobras (petróleo) e produtores de soja.

Precificação Internacional em Dólar

A maioria das commodities é negociada em dólar no mercado internacional. Historicamente, o dólar americano consolidou-se como a principal moeda de comércio global, servindo de referência para contratos e cotações de matérias-primas. Isso cria uma conexão direta entre os preços das commodities e o valor do dólar. Em outras palavras, se o dólar oscila para cima ou para baixo, os preços das commodities (expressos em dólar) tendem a responder a essas variações. A precificação em dólar traz vantagens, como facilitar transações globais com uma unidade monetária comum, mas também significa que produtores e consumidores ao redor do mundo ficam expostos às flutuações cambiais do dólar.

Essa dinâmica pode ser ilustrada pelo petróleo: o barril de petróleo é cotado em dólares no mercado internacional (por exemplo, US$ 80/barril). Se não houvesse essa padronização, cada país poderia precificar em sua própria moeda, dificultando negociações. Com o dólar como denominador comum, um produtor no Brasil ou uma refinaria na Europa sabem exatamente a referência de preço. Isso vale para a soja (bushel de soja cotado em dólar na Bolsa de Chicago) e para o minério de ferro (tonelada cotada em dólar na bolsa de commodities). Portanto, o dólar atua como moeda-base das commodities globais, e qualquer mudança em seu valor tende a repercutir nos preços dessas mercadorias em nível internacional.

Dólar Forte vs. Dólar Fraco: Efeitos nos Preços das Commodities

A variação do dólar exerce uma influência significativa sobre os preços das commodities. De modo geral, há uma relação inversamente proporcional observada historicamente: quando o dólar se valoriza (dólar forte), as commodities cotadas em dólar tendem a ficar relativamente mais caras para importadores de outros países, o que pode reduzir a demanda e pressionar os preços para baixo. Em contrapartida, quando o dólar se desvaloriza (dólar fraco), as commodities tornam-se mais baratas em outras moedas, estimulando a demanda global e puxando os preços em dólar para cima. Em suma, um dólar forte costuma ser acompanhado de queda nos preços internacionais das commodities, enquanto um dólar fraco tende a sustentar ou elevar esses preços.

Essa relação pode ser entendida pelo poder de compra internacional: imagine que uma tonelada de minério de ferro custe US$ 100. Se o euro ou o real perdem valor perante o dólar, compradores europeus ou brasileiros precisarão de mais de suas moedas locais para adquirir a mesma tonelada, tornando-a menos acessível. Com a demanda enfraquecida, os preços em dólar podem cair. Por outro lado, um dólar enfraquecido significa que outras moedas estão mais fortes; compradores em euros, reais, yuan etc. conseguem pagar relativamente menos em suas moedas locais para comprar a commodity, aquecendo a demanda e elevando as cotações em dólar. Estudos empíricos confirmam essa correlação: países muito expostos a commodities sofrem quando o dólar se valoriza, pois os preços das commodities caem em dólar, piorando seus termos de troca e reduzindo as receitas de exportação. Da mesma forma, a desvalorização do dólar tende a elevar os preços das commodities, algo benéfico para economias exportadoras como a brasileira[2].

Vale notar que essa dinâmica dólar-commodities não é absoluta e imediata, outros fatores (oferta, demanda específica, eventos geopolíticos, clima, estoques etc.) também influenciam os preços das commodities. Entretanto, a cotação do dólar funciona como um “vento de cauda ou de proa” para as commodities: um dólar em alta cria um ambiente de preços mais baixos para minério, grãos e petróleo, enquanto um dólar em baixa fornece terreno para preços mais altos desses produtos nos mercados globais.

Impactos na Economia Brasileira: Exportações, Balança e Arrecadação

Sendo o Brasil um grande exportador de commodities (como soja, minério de ferro, petróleo, carne, café, entre outras), a relação entre dólar e commodities tem efeitos profundos na economia nacional. Quando o dólar se valoriza em relação ao real, os produtos brasileiros ficam mais baratos para o comprador estrangeiro na moeda dele, aumentando a competitividade das exportações do país. Isso pode levar a um maior volume exportado e a receitas em dólar mais altas para exportadores brasileiros. Por exemplo, se a saca de soja custa US$ 14, um importador europeu pagará €14 com o euro pareado ao dólar; mas se o real se desvalorizou, para o produtor brasileiro cada US$ 14 vendido pode se converter em um valor maior em reais, incentivando as vendas externas. De fato, a alta do dólar muitas vezes favorece exportadores brasileiros, especialmente no agronegócio ,permitindo ganhos de mercado lá fora.

Por outro lado, uma moeda local desvalorizada encarece os insumos importados e outros custos de produção em reais. No Brasil, muitos setores dependem de insumos cotados em dólar, por exemplo, fertilizantes, defensivos agrícolas, máquinas e equipamentos no agronegócio, ou combustível e componentes na indústria. Assim, embora a alta do dólar aumente a receita em reais dos exportadores, ela também eleva os custos internos de quem precisa importar algo, corroendo parte das margens. Esse efeito dual ficou evidente em 2024, quando o dólar atingiu patamares recordes acima de R$6,30: exportadores ganharam competitividade e faturamento, mas produtores que dependiam de insumos importados sofreram com alta de custos.

Além disso, moeda local desvalorizada vs. valorizada tem impactos na balança comercial e inflação. Um real desvalorizado tende a melhorar a balança comercial pelo aumento das exportações e encarecimento das importações (desestimulando-as), mas também pressiona a inflação doméstica (produtos importados e commodities ficam mais caros em reais, elevando preços de alimentos, energia etc.). Já um real forte (dólar barato) barateia importações, ajudando a segurar a inflação, porém prejudica a competitividade das exportações brasileiras, que ficam mais caras no mercado internacional.

No quesito arrecadação do governo brasileiro, a variação das commodities e do câmbio também exerce influência. Em períodos de boom de commodities (preços altos em dólar, muitas vezes acompanhados de dólar fraco globalmente, mas ainda forte frente ao real), as empresas exportadoras têm lucros maiores em reais, o que gera mais royalties e impostos pagos ao governo. Por exemplo, a Petrobras registrou lucro recorde de R$ 188 bilhões em 2022, impulsionado pela alta do preço do petróleo internacional ,isso resultou também em maior pagamento de impostos e dividendos à União. Da mesma forma, a Vale teve lucro histórico em 2021 (R$ 121 bilhões) em grande parte devido ao salto do preço do minério de ferro naquele ano, contribuindo para os cofres públicos via tributos. Em contrapartida, quando as commodities caem de preço ou o dólar se fortalece muito, reduzindo as receitas de exportação, o governo sente o baque na arrecadação, especialmente em impostos ligados à cadeia de commodities e em royalties de recursos naturais (como petróleo e mineração). Autoridades fiscais já alertaram que quedas nas cotações das commodities afetam a arrecadação e podem dificultar o equilíbrio das contas públicas.

Em suma, para a economia brasileira, um dólar alto traz um efeito ambíguo: impulsiona exportações e entrada de divisas, mas encarece custos produtivos e alimenta inflação. Já um dólar baixo alivia a inflação e custos internos, porém pode enfraquecer exportações e reduzir o ganho com commodities. O ideal para o país é buscar um balanço, além de adotar políticas que mitiguem os impactos negativos de qualquer dos cenários.

Vantagens e Riscos para Empresas e Investidores

Do ponto de vista microeconômico, empresas e investidores brasileiros também são afetados (positiva ou negativamente) pela relação entre commodities e dólar. Empresas exportadoras de commodities tendem a se beneficiar de um dólar forte (real fraco). Isso porque suas receitas são majoritariamente em dólar: quando convertidas para reais, aumentam em valor. Por exemplo, a mineradora Vale ou grandes tradings de soja recebem em dólar pelas vendas externas; com o dólar mais caro em reais, essas empresas veem seu faturamento doméstico crescer. Produtores rurais exportadores também colhem ganhos: a safra vendida em dólar rende mais reais, melhorando sua renda (especialmente se já possuíam custos em grande parte pagos antes da alta cambial). Esse aumento de faturamento pode atrair investidores para ações dessas empresas, pois melhores resultados tendem a valorizar seus papéis na bolsa.

Contudo, nem tudo são flores para empresas exportadoras com dólar em alta, pois como vimos há o lado dos custos. Uma empresa pode exportar soja, mas precisar importar fertilizantes; um frigorífico exporta carne, mas depende de milho e medicamentos veterinários importados; a própria Vale em menor grau depende de equipamentos e peças internacionais. Assim, essas empresas enfrentam o desafio de equilibrar o aumento de receita vs. aumento de despesas. No agronegócio brasileiro, por exemplo, o dólar alto aumenta o faturamento em reais, mas encarece as “contas a pagar” em dólar (insumos, máquinas). Pequenos e médios produtores, com menos margem de manobra, podem ser prejudicados se a alta de custos superar os ganhos com exportação. Empresas com dívidas em dólar também sofrem: um empréstimo contraído em moeda americana fica mais caro de quitar em reais quando o dólar sobe, pressionando o endividamento.

Para investidores individuais ou institucionais, a relação commodities–câmbio cria oportunidades e riscos. Aqueles com portfólios concentrados em empresas “commodities” (como ações de petrolíferas, mineradoras, agroindústria) precisam acompanhar o cenário cambial: valorização do dólar costuma elevar as receitas dessas companhias em reais e possivelmente suas ações, enquanto uma queda do dólar ou dos preços internacionais pode derrubar as margens e desvalorizar esses papéis. Investidores estrangeiros, por sua vez, olham para o Brasil frequentemente como um mercado ligado a commodities; um ambiente de preços de commodities em alta (muitas vezes associado a dólar fraco globalmente) costuma atrair fluxos para nossa bolsa, enquanto um choque de dólar forte global e commodities em baixa pode gerar aversão a mercados emergentes e saída de capitais.

Por outro lado, investidores que possuem custos ou compromissos em dólar (como importadores, ou quem planeja viagens e compras no exterior) enfrentam risco de câmbio e precisam se proteger quando o real se desvaloriza. Em síntese, dólar e commodities formam um eixo de ganho/perda para diferentes agentes: exportadores e seus acionistas ganham com dólar forte, ao passo que setores importadores e consumidores sofrem; já um dólar fraco inverte alguns desses efeitos.

Proteção Cambial e Estratégias para Investir na Oscilação

Dada a volatilidade do câmbio e das commodities, tanto empresas quanto investidores buscam estratégias de proteção (hedge) e formas de aproveitar oscilações a seu favor. Uma das principais ferramentas é o hedge cambial, que consiste em usar instrumentos financeiros para travar a cotação futura do dólar, reduzindo a exposição à variação brusca da moeda. Por exemplo, uma empresa pode contratar hoje um contrato de dólar futuro ou uma “trava de câmbio” garantindo uma taxa predefinida para comprar ou vender dólares no futuro. Assim, se houver uma disparada ou queda do dólar além do esperado, seus custos ou receitas em moeda estrangeira estarão protegidos daquela oscilação abrupta. O hedge cambial pode ser feito via contratos futuros, swaps, opções de moeda ou NDFs, de acordo com a necessidade. Isso garante previsibilidade nos fluxos financeiros, ajudando empresas exportadoras a assegurarem determinada taxa de câmbio para suas vendas (ou importadoras a limitar o custo dos insumos).

Outra estratégia importante é a diversificação de mercados e moedas. Empresas exportadoras podem buscar vender para diferentes países e, quando possível, até negociar parte em outras moedas fortes (euro, yuan, etc.) para não ficarem reféns de uma única paridade cambial. Diversificar a base de clientes externos dilui riscos de um único câmbio e aproveita oportunidades em regiões cujo ciclo econômico seja favorável. Da mesma forma, investidores podem diversificar sua carteira incluindo ativos atrelados ao dólar (como ações de empresas exportadoras, fundos cambiais, BDRs ou mesmo dólar em espécie) e ativos em reais focados no mercado interno, equilibrando ganhos e perdas conforme a tendência cambial.

Empresas e produtores também podem lançar mão de planejamento financeiro e de estoque para enfrentar a instabilidade. No agronegócio, alguns produtores estocam insumos quando o dólar está em patamar favorável, criando um colchão para períodos de alta cambial. Investidores, por sua vez, podem se posicionar antecipadamente conforme expectativas: se acreditam que o dólar vai cair e as commodities subir (cenário de ciclo global positivo), podem aumentar posição em commodities ou em ações brasileiras; se esperam o contrário (dólar em alta global, possível queda de commodities), podem reduzir exposição a esses setores ou mesmo investir no próprio dólar como ativo de proteção.

Exemplos Práticos: Vale, Petrobras e Exportadores de Soja

Para tornar mais concreta a relação entre dólar e commodities, vejamos alguns exemplos do impacto na prática:

  • Vale (Minério de Ferro): A Vale S.A., maior mineradora de ferro do Brasil, obtém a maior parte de sua receita em dólares, já que exporta milhões de toneladas de minério de ferro anualmente. Em 2021, a combinação de preço internacional do minério em alta e câmbio favorável levou a Vale a registrar um lucro recorde de R$ 121,2 bilhões, o maior da história corporativa brasileira. Esse resultado extraordinário decorreu principalmente da disparada do preço do minério de ferro (alta de ~46% no ano), mas o câmbio contribuiu: com o dólar médio acima de R$5, a conversão das vendas externas multiplicou a receita em reais. Isso beneficiou acionistas (via dividendos robustos) e elevou a arrecadação de impostos e royalties de mineração. Por outro lado, a Vale também precisou gerenciar custos logísticos e de equipamentos (muitos atrelados ao dólar), embora seu perfil de gastos seja majoritariamente em reais (mão de obra e insumos locais), o que significa que a desvalorização do real reduz custos em dólar. Em suma, a Vale tende a ganhar com o dólar alto, e suas ações geralmente refletem expectativas sobre câmbio e demanda chinesa (principal compradora de minério).
  • Petrobras (Petróleo): A Petrobras comercializa petróleo cru e derivados cujos preços seguem cotação internacional (Brent e derivados, em dólar). Assim, movimentos do dólar e do preço do barril afetam diretamente seu caixa. Em 2022, a Petrobras lucrou R$ 188,3 bilhões, recorde histórico, com alta de 77% sobre 2021. O principal fator foi a alta do petróleo Brent (média acima de US$ 100) combinada à manutenção do dólar em patamar elevado, o que inflou a receita em reais da companhia. Esse boom de receitas gerou também um pagamento maior de tributos e dividendos ao governo federal, demonstrando como ganhos das commodities se traduzem em arrecadação. No mercado interno, entretanto, um dólar alto encarece importações de combustíveis e pressiona os preços domésticos de gasolina e diesel (a Petrobras pratica preços de paridade de importação). Isso cria um dilema: em períodos de real fraco e petróleo caro, a Petrobras lucra muito na exportação de óleo e na produção doméstica, mas o consumidor brasileiro sente no bolso, e ocasionalmente o governo intervém para segurar preços. A empresa costuma usar hedge natural ,por exemplo, muitas dívidas dela são em dólar, funcionando como proteção parcial (pois uma alta do dólar aumenta passivos, mas também receitas). De modo geral, a Petrobras e outras petrolíferas se beneficiam de um dólar forte em conjunto com petróleo valorizado, enquanto um dólar fraco ou controle de preços podem reduzir suas margens.
  • Exportadores de Soja (Agro): A soja é um dos principais produtos do agronegócio brasileiro e grande parte de sua cadeia de valor é dolarizada[3]. Os preços da soja na bolsa de Chicago influenciam diretamente quanto o produtor brasileiro recebe por saca. Em anos de dólar alto, o Brasil costuma ampliar sua fatia no mercado global, pois a soja brasileira (cotada em dólar) fica mais barata para importadores como a China, aumentando nossos embarques. Os agricultores obtêm mais reais por tonelada exportada, melhorando sua receita. Exemplo: no primeiro semestre de 2024, o complexo soja respondeu por US$ 33,5 bilhões em exportações, liderando os embarques do agro brasileiro (cerca de 14% do total), em parte graças ao câmbio competitivo. Entretanto, os produtores de soja enfrentam custos elevados em dólar: fertilizantes, agrotóxicos e maquinário são fortemente atrelados à cotação internacional. Assim, um sojicultor vê seu faturamento subir com dólar alto, mas também o custo de produção ,o lucro líquido vai depender de conseguir equilibrar esses fatores. Muitos mitigam isso comprando insumos antecipadamente ou mantendo estoques quando o dólar está mais baixo, e alguns fazem hedge via contratos futuros de soja e de câmbio para garantir margens positivas. Empresas exportadoras de commodities agrícolas (como trading companies ou cooperativas) também adotam hedge cambial para assegurar um preço de venda em reais, protegendo-se de eventuais quedas do dólar até o momento da entrega. No balanço do agronegócio, o dólar alto geralmente traz saldo positivo (mais competitividade e receita) desde que o produtor esteja financeiramente preparado para os custos maiores ,caso contrário, ele pode acabar “dando com uma mão e tirando com a outra”.

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